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Foto do escritorInes Rioto

Aumenta o numero de pessoas idosas em situação de rua.


Portal do Envelhecimento

Segundo o censo da população em situação de rua da cidade de São Paulo 2015, realizado pela Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE), juntamente com a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo (SMADS), existem 15.905 pessoas nessa condição, dentre as quais 7.335 estão nas ruas e 8.570 estão acolhidas. Houve um crescimento exponencial de 2.56% comparado ao último Censo realizado em 2011. A pesquisa aponta que 24,4% dos números correspondem a idosos. Ou seja, 3.978 idosos estão em situação de rua na cidade de São Paulo, não apontando o número dos que estão acolhidos.

A Câmara Municipal de São Paulo aprovou a Lei nº. 12.31/97, que trata sobre a atenção à população de rua que, apesar de assistencialista, busca na medida de seu alcance assegurar os direitos constitucionais que visam garantir a ela igualdade, prevendo serviços e programas, objetivando, ao menos, a assistência à situação de pobreza absoluta. O Estatuto do Idoso considera como direito individual e social a vida, assim como o envelhecimento. Obriga o Estado a garantir ao idoso a proteção à vida e à saúde, por meio de políticas sociais públicas que assegurem envelhecimento saudável e digno. Entretanto, depara-se, frequentemente, com idosos em situação de miserabilidade, desprovidos da proteção capaz de lhes assegurar a manutenção das necessidades básicas. Observa-se continuamente o despreparo do próprio Poder Público e da sociedade para atender as legislações vigentes.

Segundo o relatório de Envelhecimento no século XXI: Celebração e desafios, elaborado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA/ONU, 2012), o envelhecimento é um processo natural e um fenômeno processual, pois todos os seres envelhecem e os corpos são finitos. Estamos vivendo um momento na história da humanidade no qual o envelhecimento populacional é observado em todos os países do mundo, mas devemos observar as peculiaridades próprias a cada país e região. Sabemos que a humanidade sempre sonhou em viver mais e, por este motivo, foram feitos grandes investimentos em diversas áreas, principalmente na medicina.


Assim, foram erradicadas doenças infeciosas que dizimavam milhares de pessoas; os diagnósticos atualmente são mais rápidos, os tratamentos de doenças são mais precisos, houve investimentos em saneamento básico, em serviços assistenciais e de educação e acompanhamento às gestantes, o que fez também cair os índices de mortalidade infantil, entre tantas outras medidas, que resultaram em aumento da expectativa de vida.

A Organização Mundial de Saúde OMS classifica cronologicamente como idosa a pessoa com mais de 65 anos de idade em países desenvolvidos, e com mais de 60 anos de idade em países em desenvolvimento. No Brasil, o número de pessoas acima de 60 anos já passa de 26,1 pessoas, e a região com mais idosos é o Sul do país com 14,4% do total, a região Norte tem um número menor, com 8,8% de idosos. Estima-se, segundo a OMS, que em 2050 30% da população brasileira terá mais de 60 anos. O cenário de declínio da taxa de fecundidade e maior expectativa de vida traz uma combinação que resulta em aumento da população idosa, indicando a importância de políticas públicas que contemplem iniciativas voltadas para a manutenção de sua capacidade funcional, garantindo um envelhecimento digno. Segundo Beauvoir (1990, p. 71),


O processo de envelhecimento inclui a fase da velhice, mas não se esgota nela. As qualidades de vida e de envelhecimento relacionam-se com a visão de mundo do indivíduo e da sociedade em que ele está inserido. Assim a velhice passa a ser não apenas um fenômeno biológico, mas, sobretudo, a confluência de fatores socialmente construídos, que conferem status diferenciado às pessoas que envelhecem.

Essa perspectiva é de fundamental importância no processo de trabalho com o idoso em situação de rua, duplamente excluído da sociedade: por ser velho e por ser pobre. Numa sociedade em que as pessoas são medidas, enquadradas em padrões e pelo trabalho que desenvolvem, os idosos são colocados à margem, já que não possuem agilidade dos jovens, não conseguem atingir a produtividade, disponibilidade e disciplina ditadas pelo sistema econômico. Verifica-se, assim, que existem diferentes formas de envelhecimento, ligadas ao lugar que a pessoa ocupa na sociedade, e que interfere na maneira como obtém condições para lidar com cuidados para si, assim como aos vínculos que desenvolveu ao longo da vida, que impactam fortemente a velhice.


Beauvoir (1990, p. 99) complementa seu raciocínio ao afirmar que: Como todas as situações humanas, a velhice tem uma dimensão existencial; modifica a relação do indivíduo com o tempo e, portanto, sua relação com o mundo e com a própria história. Por outro lado, o homem não vive em estado natural. Na sua velhice, como qualquer idade, seu estatuto é imposto pela sociedade a qual pertence [...] A sociedade destina ao velho seu lugar e papel, levando em conta sua idiossincrasia individual, sua impotência, sua experiência.

Reciprocamente, o indivíduo é condicionado pela atitude prática e ideológica da sociedade em relação a ele. Centro de Acolhida Complexo Prates Localizado na região central de São Paulo, no bairro do Bom Retiro, o Complexo Prates inaugurado em 2012, é um equipamento da Assistência Social destinado a atender pessoas adultas em situação de rua. É composto por uma unidade ambulatorial – AMA 24 horas; uma unidade de Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas CAPS AD III 24 horas; um Núcleo de Convivência para homens e mulheres adultos - aberto das 08:00 às 17:00 horas todos os dias; e dois centros de acolhida destinados apenas para o público masculino.


O equipamento conta com equipe de assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, preparador físico, enfermeiros, médicos psiquiatras e psicólogos, orientadores socioeducativos e operacionais. A capacidade de acolhimento para os dois Centros de Acolhida é de 260 vagas e, atualmente, todas as vagas estão preenchidas, mesmo considerando que há rotatividade constante sempre opera com capacidade máxima. Dos 260 acolhidos, 64 têm mais de 60 anos de idade, não há nenhum que tenha mais de 70 anos, e o tempo médio em que estão em situação de rua é acima de dois anos. Dentre esses idosos, 29 estão em São Paulo há mais de 20 anos, sem terem construído nenhum patrimônio, vínculos afetivos e rede social que pudessem lhes dar suporte. Nas trajetórias de vida dos usuários em questão há rupturas de laços familiares, efemeridade dos vínculos afetivos que estabelecem na rua, situação na qual a dependência institucional se torna evidente.

Nenhum, dentre os 64 idosos, tem formação superior e apenas 17 deles concluíram o ensino médio. Apenas 2 exercem atividade remunerada com carteira assinada, poucos exercem trabalho informal como venda de águas, doces em faróis. Todos já tiveram trabalhos com carteira assinada, de pouca permanência, devido a baixa qualificação e vínculos empregatícios frágeis. Assinalam o desejo e a necessidade de trabalhar, e a falta de inserção no mercado de trabalho traz, segundo eles, sentimentos de estigmatização e culpabilização.


Em sua totalidade, o público idoso analisado no Complexo Prates alega que a situação de rua se deu por desemprego e impossibilidade de custear moradia e despesas pessoais, o que causava conflitos com familiares e a dependência de álcool associada, geralmente, ao uso de outras substâncias psicoativas, tais quais maconha, cocaína e crack. O uso de drogas é muito comum em pessoas que estão em vulnerabilidade social, e que se intensifica nas ruas, sendo fuga para compensação dessa realidade, e mesmo para socialização com outras pessoas que vivem do mesmo modo. A falta de perspectiva de vida, e de sair da situação de rua, de sonhos e utopias, é muito presente nas falas dessas pessoas, que associam reorganização à idade, e mencionam que já estão no fim da vida. Neste pequeno estudo não é possível fazer grandes generalizações, no entanto seus achados levam à reflexão sobre a velhice, e aquela em situação de rua.


Ainda há poucos espaços para discussão/reflexão sobre envelhecimento na sociedade, diante de um cotidiano de intensas atividades e demandas, sem foco na importância de trabalhar a representação social que se tem da velhice. No que diz respeito ao Estatuto do Idoso, a proteção social dos moradores de rua estudados está garantida, uma vez que estão amparados pela seguridade social e/ou pela assistência institucional. No entanto, isso não assegura incremento na qualidade de vida, a qual se relaciona diretamente às expectativas e sentidos atribuídos por cada um, influenciados por crenças e valores individuais construídos ao longo da vida.


Esse estudo levou a repensar os valores humanos no que diz respeito às desigualdades e banalização da injustiça social. Enquanto acadêmica na área social, aprendi a enxergar o idoso em situação de rua em sua totalidade, como sujeito detentor de direitos, considerando suas características individuais, e não um objeto passivo de caridade e assistencialismo.

Referências BEAUVOIR, S. A velhice: o mais importante ensaio contemporâneo sobre as condições de vida dos idosos. Rio de Janeiro (RJ): Nova Fronteira; 1990.


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